Quis o destino que o Pearl Jam tivesse uma apresentação na cidade de São Paulo exatamente um dia após os sangrentos ataques terroristas em Paris. Quis o destino que o grupo norte-americano de Seattle fizesse no sábado, 14 de novembro, um show memorável para os paulistanos, englobando de uma só vez suas músicas e letras capazes de emocionar 65 mil presentes no Estádio do Morumbi, sem deixar de passar uma mensagem importantíssima de paz e resistência ao terror.
Com direito a uma mais do que oportuna execução da música “Imagine”, do lendário John Lennon, a banda fez uma apresentação de pouco mais de 3 horas, digna de registro em DVD.
A passagem do Pearl Jam por São Paulo parecia ter sido escolhida por um dedo divino após o massacre em Paris. Na triste Sexta-feira 13 da capital francesa, um dia antes, cerca de 130 pessoas foram mortas em ataques de terroristas que tiveram como local com número maior de assassinados (cerca de 100) a casa de shows Bataclan, justamente quando uma outra banda de rock, o Eagles of Death Metal, iniciava uma apresentação para pessoas que simplesmente queriam se divertir e curtir música.
Após o massacre de Paris, não será novidade se shows de rock, partidas importantes de futebol ou tênis e outros grandes eventos começarem a sofrer restrições em determinados locais na Europa ou passarem a contar com um nível de segurança acima do normal. Shows como o da capital paulista, com 65 mil pessoas, serão palco perfeito para exigências maiores.
Justamente pelo que aconteceu ou pelo que está por vir, um evento lotado em São Paulo funcionou como um foco de resistência vindo também de uma banda de rock, igual ao são e salvo Eagles of Death Metal, que conseguiu escapar do Bataclan antes do massacre. Fazer os povos se intimidarem com o terrorismo é exatamente o objetivo destes grupos radicais. Seguir com a vida normalmente é uma das formas de enfrentá-los.
Bastante conhecido e respeitado pelo forte engajamento em causas nobres, o Pearl Jam era o grupo que estava no sábado no Morumbi. O vocalista Eddie Vedder, um dos símbolos maiores do rock atual, sintetizava o sentimento geral da banda e já expôs ao público o que sentia logo na terceira música do show.
A apresentação começou com cerca de 20 minutos de atraso com as músicas “Long Road” e “Of the Girl”. O palco do Pearl Jam tinha temas simples, mas interessantes, como um arranjo que ficava sobre o grupo no teto e luminárias penduradas em volta que mudavam de cor no decorrer do show. Os telões também eram simples e bem menores, por exemplo, do que os trazidos pelo Metallica ao mesmo Morumbi no ano passado.
Pouco antes de “Love Boat Captain”, Eddie Vedder decidiu fazer um dos seus vários discursos da noite à plateia. Por meio da leitura de um texto inicial de três páginas em português, o vocalista passou uma mensagem emocionada sobre o momento pós-Paris.
“Sentimos que precisamos estar com pessoas. E estamos felizes por estarmos com vocês em São Paulo. Nosso amor vai para todos em Paris”, disse Vedder, com certa dificuldade em razão da emoção, enquanto o telão mostrava a imagem da bateria de Matt Cameron com um desenho da Torre Eiffel. “Temos ainda muito a superar juntos”, acrescentou, tendo uma recepção positiva enorme do público.
Após “Love Boat Captain”, foi a vez de “Do The Evolution”, cuja letra, infelizmente, nunca fica datada e que também se encaixa ao momento atual. “I can kill ‘cause in God I trust, yeah” (“Eu posso matar porque em Deus eu confio, yeah”). Algo familiar?
A turnê do Pearl Jam pelo Brasil em 2015 ainda divulga o bom álbum “Lightning Bolt”, de 2013. Obviamente, além das várias canções criadas pela banda desde 1990, algumas músicas do disco mais recente também foram apresentadas em São Paulo.
“Getaway” e a rápida “Mind Your Manners” foram bons exemplos do “Lightning Bolt”, que teria a faixa-título também executada. Antes dela, porém, o público chegou a pular bastante no hit “Corduroy”, do disco “Vitalogy”, de 1994.
Já disseram por aí que São Pedro não gosta muito de show de rock, principalmente em algumas grandes apresentações recentes na cidade que se chama São Paulo. Rivalidade? O certo é que, desde a encharcada apresentação do Metallica no começo de 2014 até o protótipo de dilúvio do show de Paul McCartney no Allianz Parque no fim do ano passado, foram vários os exemplos na capital paulista de chuvas intensas que molharam diversas plateias.
No show do Pearl Jam não foi diferente. Inicialmente, o tempo parecia que contribuiria. O dia foi bastante quente em São Paulo, mas o céu não estava fechado no começo da apresentação. Com as sequências das músicas, porém, uma ventania forte começou a atingir o Morumbi e não deu outra: o tempo fechou.
Para o leitor ter uma ideia do problema, os arranjos de palco, as luminárias e até os telões começaram a balançar além do normal. Se a Sexta-feira 13 já havia sido inesquecível do ponto de vista negativo, o sábado não poderia continuar com algum acidente gerado pelo vento ou chuva.
Extramente responsável e aconselhado pela equipe técnica, o grupo já antecipou ao público que, assim que começasse a chover, pararia a apresentação por cerca de 10 minutos para que ajustes pudessem ser feitos no palco e nos equipamentos.
A banda deixou o palco, mas, enquanto os técnicos começavam a olhar os equipamentos, Vedder pegou o violão e emendou nada menos que “Elderly Woman Behind the Counter in a Small Town” sozinho. Foi um grande momento de emoção dos vários daquela noite, com o público cantando a bela canção do início ao fim. Vale dizer que a canção nem estava no set list original e que acabou sendo o primeiro dos presentes não programados.
Os 10 minutos de paralisação não chegaram a acontecer inicialmente, já que os técnicos deram um “ok”. Com isso, a banda emendou uma sequência de clássicos. Um dos maiores deles, “Even Flow” inflamou a plateia e fez o guitarrista Mike McCready tocar no meio da galera.
Antes do começo de “Come Back”, Eddie Vedder fez nova referência ao tempo, explicando que o vento observado no Morumbi justificava os cuidados que o grupo estava tendo. Ainda assim, o Pearl Jam tocou “Swallowed Whole”, “Given to Fly” (que contou no telão com imagens aéreas gravadas da região do Morumbi antes do show) e a contagiante “Jeremy”, que teve um coro mais do que especial do público.
Durante a execução de “Better Man” não teve jeito: a chuva começou a despencar. A banda ainda tocou a ótima “Rearviewmirror” e fez a tal pausa de 10 minutos prometida, enquanto a tempestade caía sobre o Morumbi e todos buscavam uma capa de chuva.
Na volta para o bis, a água continuava forte, mas o Pearl Jam veio num esquema estilo acústico, com os músicos sentados na cadeira. A primeira música desta parte foi “Footsteps”, que contou com Eddie Vedder e sua gaita bem tocada.
Na sequência, veio o grande e icônico momento do show, com “Imagine”, de John Lennon. Antes, mais uma vez, Vedder pegou suas folhas de papel para ler mais um texto com referência a Paris em português: “Quando crianças, somos incentivados a seguir e lutar por nossos sonhos. Eu esperaria com todo o meu coração que esses sonhos não significassem machucar ou tirar a vida de outro ser humano. Este é um planeta incrível e a vida é frágil e pode ser linda, desde que algumas pessoas possam mudar seus sonhos.”
O vocalista continuou lendo, mas dessa vez fez uma introdução da música, dizendo que começaram a tocá-la há um mês em homenagem a Lennon, que faria 75 anos em 2015, se estivesse vivo. Vedder chegou a fazer uma pequena confusão de datas, dizendo que o eterno Beatle completaria os 75 anos no dia 5 de dezembro, quando, na verdade, a data de aniversário é o dia 9 de outubro e, em dezembro, no dia 8, serão lembrados os 35 anos da morte do ícone musical. “Vamos tocar sua música porque as palavras deles precisam ser ouvidas”, destacou, pedindo que a plateia ajudasse, cantando alto “para o mundo” e com os celulares iluminando o estádio.
Prontamente atendido, Eddie & banda viram o Morumbi se transformar em algo lindíssimo. O estádio já havia vivido momento parecido em janeiro, no momento que o Foo Fighters tocou a música “Monkey Wrench” também num grande show.
A diferença é que a música de Lennon, eternamente poderosa, foi tocada num dos momentos mais importantes desde que foi criada, após um massacre histórico. Qualquer um canta “Imagine” em qualquer apresentação de churrascaria, mas, no sábado, dia 14 de novembro de 2015, o grande Pearl Jam era a banda mais indicada para tocá-la, com um mar de celulares em volta.
Com mais de 25 anos de shows nas costas, este jornalista poucas vezes sentiu o baque daquele momento. Não era apenas a interpretação de uma canção, era todo um contexto vivido pelo planeta, de regressão, que precisa ser, no mínimo, discutido. Terroristas, nazistas, fascistas e golpistas têm todos uma forma parecida de pensar, o que muda é a graduação da loucura, do egoísmo e da falta de respeito pelo próximo.
Só por aquele momento, o show já merecia um capítulo à parte na história das grandes apresentações internacionais pelo Brasil. Na íntegra, o mais indicado seria a gravação de um DVD, para mostrar para o mundo que o rock também é capaz de resistir, apesar de um tanto em baixa em matéria de criatividade atualmente.
Passado o momento grandioso, haveria outros até o fim do show de mais de 3 horas no Morumbi. Após “Imagine”, o Pearl Jam emendou a belíssima “Sirens”, do disco mais recente. Depois, ainda viriam “Whipping”, “I Am Mine”, “Blood” e “Porch”.
Mais uma pausa e o retorno do grupo ao palco trouxe “Comatose” e “State of Love and Trust”. Depois delas, mais momentos emocionantes num maior nível no Morumbi: “Black” e “Alive” foram as obrigatória do primeiro álbum que fez a imensa felicidade dos fãs.
E tinha mais, pois o Pearl Jam tocou ainda “Rockin’ in the Free World”, de Neil Young, e a sempre bela “Yellow Ledbetter”, que deveria fechar a apresentação. O grupo agradeceu ao público, chegou a se despedir e saiu do palco, mas, de repente, mais uma surpresa: a execução de nada menos que “All Along the Watchtower”.
A música de Bob Dylan, imortalizada na gravação de Jimi Hendrix, ganhou uma roupagem mais acelerada e até demorou a ser reconhecida por alguns, mas fechou com chave de ouro o grande evento em São Paulo. Na saída do estádio, os comentários gerais eram de que aquele havia sido um grande show, mas, na verdade, com já dissemos, foi muito mais do que isso.
Para relembrar o show do Pearl Jam em São Paulo, o Roque Reverso descolou vídeos no YouTube. Fique inicialmente com “Elderly Woman Behind the Counter in a Small Town”. Depois, veja a banda tocando “Imagine”, “Sirens”, “Black” e “Alive”.
Set list
Long Road
Of the Girl
Love Boat Captain
Do the Evolution
Hail Hail
Why Go
Getaway
Mind Your Manners
Deep
Corduroy
Lightning Bolt
Elderly Woman Behind the Counter in a Small Town
Even Flow
Come Back
Swallowed Whole
Given to Fly
Jeremy
Better Man
Rearviewmirror
Footsteps
Imagine
Sirens
Whipping
I Am Mine
Blood
Porch
Comatose
State of Love and Trust
Black
Alive
Rockin’ in the Free World
Yellow Ledbetter
All Along the Watchtower
Perfeito, Flávio!! Sua resenha passa com exatidão o que vimos neste antológico e verdadeiro show de rock realizado no Morumbi no sábado, 14. Um dia que certamente será lembrado por muito tempo para os fãs da banda, da música em geral e do rock!!
Obrigado, Mauro!
Que bom que você gostou.
Também acho que será lembrado daqui a vários anos.
Foi o melhor show que vi deles.
Tem razão quando disse q foi mais do q um show
🙂 🙂 🙂
Deve ter sido realmente espetacular!
Bela resenha!
Obrigado, Diego! 🙂
Cara, perfeito! revivi toda a emoção do show no seu texto, deu pra perceber que você também foi tocado pela vibe que estava no Morumbi naquela noite linda! A multidão em catarse ao final do show, deixando o estádio, parecia sair de um grande culto de meditação e reflexão – coisas que só uma imensa banda de rock consegue!
Valeu, Edina!
Era impossível não se emocionar com o que aconteceu naquela noite!
Só se a pessoa fosse de pedra!
Obrigado por seguir a gente! 🙂
Para quem quiser ver o show inteiro de SP no YouTube, uma dica é ir nos vídeos do usuário Gustavo Gregorutti, o mesmo que gravou o de “Imagine”.
Na verdade ele parece ter gravado absolutamente todas as músicas!
Este aqui é o primeiro. Depois, basta seguir parte por parte:
Emocionante!
Lendo essa resenha, parece até q eu estava lá!
💋💋
Uau! Valeu!
Bjs!!!
Show histórico que deveria ser gravado e passado em todo o Oriente Médio