Por Wladimir D’Andrade*, com colaboração de Flavio LeonelRATM no SWU - Foto: Divulgação SWU

No final, havia carcaças de óculos, documentos espalhados pelo chão e uma pilha de tênis sendo amontoados num mesmo lugar para facilitar a procura de seus donos. Esse é um dos retratos da apresentação do Rage Against the Machine, no sábado, no SWU Music & Arts, em Itu, interior de São Paulo. Uma representação da catarse pela qual os fãs viveram durante cerca de 1h40, depois de uma espera de mais de 15 anos pela vinda do grupo californiano ao País.

O Rage fez um show poderoso, tenso e anárquico. Subiu no palco ao som de uma sirene, enquanto a estrela vermelha ascendia lentamente no telão.

O grupo começou com “Testify”, emendou “Bombtrack” e dedicou “People of the Sun” ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) – O guitarrista Tom Morello até usou em algumas partes da apresentação um boné da entidade.

A banda passou por cima dos problemas de som, que por duas vezes foi interrompido ao público. A platéia, enfurecida com a ausência de som não pensou duas vezes para criar um dos gritos que marcaram o festival de maneira estrondosa naquela noite: “Ei, SWU, vai tomar no cu!”

Depois do show, os organizadores do festival disseram que o problema foi causado na mesa de som, que estaria sob responsabilidade do Rage Against the Machine. A questão é que, com os preços elevados dos ingressos, este tipo de problema quase amador relacionado ao som é inadmissível.

Empecilhos à parte, a banda continuou a apresentação. Hit após hit, a empolgação dos fãs era visível. Morello reproduziu fielmente os solos das músicas e tirava som de onde parecia impossível, pelo menos não fora de um estúdio.

Os sucessos, principalmente os do primeiro álbum – “Bombtrack”, “Bullet in the Head” e “Know Your Enemy”, entre outros -, levaram o público ao descontrole, como era esperado pelos que sempre sonharam em ver Zack de la Rocha (vocal), Morello, Tim Commerford (baixo) e Brad Wilk (bateria) a alguns metros de distância.

Não surpreendeu nem mesmo a tentativa de invasão do público à área premium. O politicamente engajado quarteto até mesmo deu pinta de que incentivava a prática. Morello já havia dado “a dica” no Twitter: “Alguns estão comprando entradas comuns para Chile/Brasil planejando invadir a área VIP quando o som começar. É apenas um pensamento que gostaria de mencionar.”

Esse foi o primeiro motivo para a banda interromper o show, já que muita gente estava no maior apuro, justamente na divisa da pista comum com a premium e as grades que separavam os dois locais chegaram a ser rompidas. Depois de um pedido sem sucesso dos organizadores para que o público desse passos para trás, Zack de la Rocha pegou o microfone e pediu apenas para que cada um curtisse o espetáculo com respeito ao próximo, para que ninguém saísse ferido. “Vamos cuidar uns dos outros”, disse.

Poucos precisaram ser atendidos no posto médico com ferimentos leves. Mas quem tentou assistir o RATM à frente da linha da mesa de som – localizada há alguns metros do palco – toma esses casos como “acidente de trabalho”. A essa distância do palco, ou as rodas de bate-cabeça chegavam até você ou você era levado até elas. Trate de sobreviver…

Eram fãs se trombando e empurrando uns aos outros, nos quais as feições afloravam sentimento de raiva. O cenário do show é boçal para alguns, mas para os que deixaram a fazenda Maeda vermelhos de cansaço foi uma oportunidade de extravasar – por incrível que pareça, respeitosamente – sentimentos destrutivos que fazem, queiram ou não, parte da vida de todos. Pergunta: não é melhor que isso venha à tona em um ambiente (minimamente) controlado?

O Rage conseguiu passar sua mensagem em meio às suas letras políticas, fez o público levantar os punhos para o alto à maneira do movimento Panteras Negras – partido revolucionário norte-americano dos anos 60 que lutava pelos direitos dos negros – e inclusive ficar admirado com o hino da Internacional Comunista na abertura do bis, quando os fãs usaram suas últimas forças para pular ao som de “Freedom” e o principal sucesso, “Killing in the Name”.

No final, restou ainda mais um recado do RATM: “Your anger is a gift” (Sua raiva é uma dádiva), afirmou Zack. Uma amostra do que esse sentimento é capaz. Não para os homens se destruírem uns aos outros, mas serve como alerta de que temos ao menos essa ferramenta para não aceitar certas situações – “Fuck you, I won’t do what you tell me” (Não farei o que você me diz, em tradução livre, sem o palavrão), canta o Rage Against the Machine para um público que não vai esquecer tão cedo a apresentação.

Para manter a tradição, o Roque Reverso descolou o set list do show, algumas fotos oficiais e, claro, vídeos do YouTube. O leitor poderá ver grandes momentos, como a abertura e a música “Testify”. Na sequência espetacular, “Bombtrack”, “People Of The Sun”, “Know Your Enemy” e “Bulls On Parade”. Para fechar, o bis, com “Freedom” e uma pitada da Internacional Socialista, além da mais do que clássica “Killing in The Name”. O show quase inteiro pode ser conferido no último vídeo. Histórico!

Set list:

Testify
Bombtrack
People Of The Sun
Know Your Enemy
Bulls On Parade
Township Rebellion
Bullet In The Head
Guerrilla Radio
Calm Like A Bomb
Sleep Now In The Fire
Wake Up 

Freedom
Killing In The Name

 

*Wladimir D’Andrade é jornalista da Agência Estado e fã do bom e velho rock n’ roll