Morrissey se apresentou no domingo, dia 4 de março, no Club de Gimnasia y Esgrima de Buenos Aires (Geba), na Argentina, para cerca de 20 mil pessoas. O ex-vocalista dos Smiths fez um show de boa qualidade com poucas músicas de seu antigo grupo e um repertório recheado de canções de toda a sua carreira solo. Mantendo sua tradição de falar o que pensa sem medo da repercussão, o cantor inglês aproveitou para criticar a postura de seu país em relação às Ilhas Malvinas, ponto delicado para os argentinos, que perderam um conflito armado contra os britânicos exatamente por conta da disputa daquele território nos Anos 80.
O Roque Reverso teve o privilégio de assistir ao show no Geba, que, por sinal, contou com público bastante morno para as tradições argentinas de catarse coletiva. Vale destacar que a cobertura em Buenos Aires foi a primeira fora do Brasil deste veículo de comunicação e, se depender da primeira experiência, novas resenhas virão, para alegria dos fãs loucos por show e, claro, do jornalista que vos escreve. Dias antes do show de Morrissey, tentamos estrear internacionalmente com uma eventual cobertura da apresentação do Soulfly (mais a nossa praia) na capital portenha, mas o imenso congestionamento (provocado por protestos) na cidade no dia nos impediu de chegar ao local a tempo.
O Club Geba fica ao lado do Hipódromo de Buenos Aires, no bairro de Palermo. Para chegar lá, de Puerto Madero, onde estávamos, levamos pouco mais de 25 minutos de táxi e gastamos apenas 35 pesos, ou algo em torno de R$ 16 – um valor baixo, se levarmos em conta que, em São Paulo, por exemplo, um táxi até o Morumbi ficaria bem mais caro.
O ponto forte foi a organização do show no Geba. Vários guias orientavam para onde o público deveria seguir, geralmente por corredores largos para as entradas principais. O ponto negativo ficou pela ausência de telões nas laterais do palco. Na parte central até havia um telão que fazia parte do cenário do show do Morrissey, mas em nenhum momento ele mostrou cenas do palco, sendo usado apenas para imagens que ajudavam a ilustrar a apresentação.
No ingresso, o horário estava marcado para as 19 horas. Havia um show de abertura da cantora Kristeen Young, mas ela só subiu ao palco às 20 horas. Depois de aguentarmos uma apresentação pra lá de chata da figura, que contava apenas com um sintetizador com instrumento de apoio, ficamos aguardando a vinda de Morrissey e sua banda. Após a apresentação de vários vídeos de vários cantores e grupos cults (entre eles, o New York Dolls) projetados num enorme pano branco que ficava à frente do palco, o ex-vocalista dos Smiths apareceu, por volta das 21 horas, ao som de sinos de igreja.
Trajando uma camisa amarela, ele chegou acompanhado da sua banda, que, por sinal, não deixou de fazer provocação à realeza britânica. Todos os integrantes vestiam uma camisa com a frase “We hate William and Kate” (“Odiamos William e Kate”), com fotos do príncipe e da princesa.
O show
Depois de gritar em inglês ao público “Buenos Aires, eu sou uma estrela”, Morrissey abriu o show com a música “First of the Gang to Die”, do disco “You Are the Quarry”, de 2004, e em seguida cantou “You Have Killed Me”, do “Ringleader of the Tormentors”, de 2006. A terceira canção foi “You’re The One For Me, Fatty”, do álbum “Your Arsenal”, de 1992.
Apesar de termos comprado ingresso para a pista comum, ficamos bem na grande de divisão com a pista vip. Claro que batalhamos para chegar até aquele lugar no começo do show, já que, independentemente do país, não tem jeito: início de apresentação sempre traz algum empurra-empurra. Depois da tradicional muvuca, conseguimos assistir ao show sem problemas, com a maioria do público mostrando grande educação durante o espetáculo. A visibilidade, apesar da ausência dos telões, acabou sendo ótima!
Depois da terceira música, foi a vez do show entrar em seu momento mais emocionante. Não por acaso, Morrissey anunciou antes que aquelas músicas eram “pedaços de seu coração”…
Foi quando ele iniciou a eternamente bela “There Is A Light That Never Goes Out”, dos Smiths!!! O estádio in-tei-ri-nho cantou a música com Morrissey, fazendo com que fosse impossível não se emocionar com aquele imenso coro de 20 mil vozes.
Com a plateia já entregue, Morrissey não deixou a peteca cair, trazendo uma de suas mais famosas músicas da carreira solo: “Everyday Is Like Sunday”, do ótimo álbum “Viva Hate”, de 1988. Quem dera, meus amigos, que todos os domingos fossem daquele jeito: com uma noite belíssima de céu estrelado e com um grande show de rock!
Vale destacar que, tanto “There Is A Light That Never Goes Out” como “Everyday Is Like Sunday”, foram tocadas com um ritmo que trazia uma velocidade menor do que a de suas respectivas gravações originais. Diferente, por exemplo, das músicas seguintes (“When Last I Spoke To Carol” e “Alma Matters”), tocadas de maneira fiel. Mas o público pouco se importou com a mudança.
Na sequência, mais músicas da carreira solo do cantor. Foram executadas “I’m Throwing My Arms Around Paris”, “Ouija Board, Ouija Board”, em momento em que o cantor trocou a camisa por uma de cor azul, e “I Will See You In Far Off Places”.
Mais uma música dos Smiths seria tocada depois. Assim como “There Is A Light That Never Goes Out”, “I Know It’s Over” foi mais um sucesso do álbum “The Queen is Dead”, o melhor da grande banda inglesa dos anos 80. O público começou incrivelmente dar uma esfriada da metade do show para frente, enquanto a banda de Morrissey, com músicas de alta qualidade, mantinha a boa apresentação.
Durante a canção seguinte (“Let Me Kiss You”, da carreira solo), o cantor ainda conseguiu puxar palmas. No final da música, ainda arrancou a camisa e jogou a mesma para a plateia, que foi ao delírio. Enquanto a banda finalizava a música, ele saiu e voltou rápido ao palco com a camisa vermelha que usou até o final do show.
Após apresentar todos os músicos, ele tocou a boa “Black Cloud”, da carreira solo, foi a vez de Morrissey trazer a tradicional “Meat Is Murder”, dos Smiths. No telão, várias imagens fortes de animais sendo sacrificados passaram a mensagem em defesa do estilo vegetariano do cantor, que ficou boa parte do final da canção deitado no palco.
Ao final da música, Morrissey repetiu a opinião que já tinha sido dada dias antes em show realizado na cidade argentina de Rosário sobre o eterno imbróglio entre o Reino Unido e a Argentina. “Por favor, não condenem o povo britânico pelo que o Governo Britânico decide. Sabemos muito bem que estes governos nunca escutam as pessoas. O mundo todo sabe que as Ilhas Malvinas pertencem à Argentina”, disse, para aplauso geral do público e o início de “Please, Please, Please Let Me Get What I Want”, outra música dos Smiths.
Após mais este grande momento, foi executada a música “Scandinavia”, que foi seguida pela canção melhor tocada da noite: nada menos que “How Soon Is Now?”, dos Smiths.
Desde os Anos 80, este jornalista achava que era difícil reproduzir esta música como a gravação espetacular original. Mas, surpreendentemente, Morrissey e banda conseguiram fazer algo até melhor do que o original, deixando a plateia meio hipnotizada.
Depois desta, Morrissey e os músicos saíram do palco. Na volta, um curto bis com apenas uma música: “One Day Goodbye Will Be Farewell”, do álbum solo “Years of Refusal”, de 2009, que teve o maior número de canções tocadas.
Foi um show bom, mas faltou música que gostaríamos de ver, dos Smiths e da própria carreira solo, como a sensacional “Suedehead”, do “Viva Hate”. Longe, porém, de ter sido algo decepcionante. Muito pelo contrário, a experiência de ter visto um show fora do Brasil já entrou para a lista das mais gratificantes.
Agora, é ver como Morrissey se apresentará nos shows pelo Brasil. Ele tem shows agendados em Belo Horizonte, no Chevrolet Hall, no dia 7; no Rio de Janeiro, na Fundição Progresso (dia 9); e, em São Paulo, no Espaço das Américas, no dia 11, com ingressos esgotados, mas com transmissão ao vivo que será feita pelo Portal Terra.
Para que você sinta mais ou menos como foi o show de Buenos Aires, fique com os vídeos amadores descolados no YouTube. Para começar, a abertura, com “First of the Gang to Die”. Depois, veja “There Is A Light That Never Goes Out”, “Everyday is Like Sunday” e “How Soon Is Now?”.
Set list
First Of The Gang To Die You Have Killed Me You’re The One For Me, Fatty There Is A Light That Never Goes Out Everyday Is Like Sunday When Last I Spoke To Carol Alma Matters I’m Throwing My Arms Around Paris Ouija Board, Ouija Board I Will See You In Far Off Places I Know It’s Over Let Me Kiss You Black Cloud Meat Is Murder Please, Please, Please Let Me Get What I Want Scandinavia How Soon Is Now? One Day Goodbye Will Be Farewell