Por Circe Bonatelli
Os Raimundos lançaram neste ano o álbum “Cantigas de Rodas”, primeiro com músicas inéditas produzido pelo grupo brasileiro desde o “Kavookavala”, de 2002. O novo trabalho mostra que a banda manteve sua capacidade criativa mesmo após tantos anos.
O grande destaque é o Digão se firmando definitivamente nos vocais, o que afasta a lembrança recorrente de Rodolfo nessa posição. As músicas sob a voz de Digão no “Kavookavala”, primeiro álbum de inéditas após a saída de Rodolfo, ainda causavam uma estranheza pela mudança recente nos vocais. Além disso, o disco de 2002 não teve a mesma qualidade dos anteriores.
A consequência disso é que os shows liderados por Digão nos anos seguintes muitas vezes pareciam um cover dos Raimundos das antigas – aliás, uma injustiça com os membros originais que continuavam dando o sangue ali. Mas agora é a hora de enterrar de vez essa sensação.
O álbum “Cantigas de Rodas” traz 12 faixas muito boas, com a nova cara da banda. De uma lado, elas retomam características tradicionais, como o hardcore e o punk (“Cachorrinha”, “Rafael”, “Nó Suíno”), as letras maliciosas (“Gordelícia”) e o tempero forrozeiro (“Gato da Rosinha”, música do sanfoneiro Zenilton).
Dentre as novidades estão algumas baladinhas (“Cera Quente”, “Baculejo”), um reggae com participação do rapper Sen Dog (Dubmundos) e um rock pauleira com referências às manifestações de junho do ano passado (“Politics”) e participação do rapper Cypriano. A produção, feita nos Estados Unidos, ficou por conta de Billy Graziadei, vocalista e guitarrista do Biohazard.
Tudo isso mostra que os Raimundos ainda são uma grande banda, além de muito querida pelos seus fãs, que tiveram participação decisiva no lançamento do novo trabalho.
O “Cantigas de Rodas” foi financiado por meio de uma campanha na internet (chamada crowdfunding) que pretendia arrecadar R$ 55 mil para bancar os custos da produção e divulgação do álbum. Mas a adesão foi tão grande que as doações chegaram a R$ 120 mil.
Em meio à turnê para divulgação do “Cantigas de Rodas”, o baixista Canisso concedeu uma entrevista exclusiva ao Roque Reverso, falando sobre as novidades do álbum, as vantagens e os perrengues da produção independente, além de suas opiniões sobre o cenário atual do rock brasileiro. “Pro rock voltar a tocar na rádio, ele precisa ter a dose certa de pauleira com uma boa mixagem, sem soar esporrento”, receitou.
Confira abaixo a entrevista na íntegra e escute as faixas “Nó Suíno” e “Bop”:
RЯ – O que motivou a banda a voltar para o estúdio, num álbum com inéditas após tantos anos?
Canisso – Sentimos que nossa estratégia de recolocar a banda na cena já estava praticamente concluída, com presença assegurada nos melhores festivais e com uma tour consolidada, faltava uma “foto” atual da banda. Com certeza um álbum de inéditas iria ter muito mais espaço pra ser divulgado nessa boa fase.
RЯ – O que mudou na banda desde o último álbum de estúdio, o “Kavookavala”, em 2002?
Canisso – Mudou muito, até o processo de composição, mas basicamente a principal mudança foi a grande contribuição de todos em todo o processo, não houve pressa, ao contrário, trouxemos o entrosamento criado por esses anos na estrada pra dentro do estúdio. Talvez seja o disco mais “trampado”que já fizemos…
RЯ – O que o “Cantiga de Rodas” traz de novo para os fãs?
Canisso – De novo, contamos com a produção Master do Billy Graziadei,vocal e guitar do Biohazard, participações épicas do Sen Dogg do Cypress Hills,do Frango do Galinha Preta, do rapper Cipriano…É um disco típico do Raimundos, tem punk rock, power ballads, reaggae-dub, pauleiras, forrozeiras…músicas que trazem lembranças boas e abrem novos horizontes pro nosso som, tentamos ao máximo justificar a confiança depositada em nós pelos apoiadores do crowdfunding. Esse é o resultado do nosso esforço, espero que gostem…
RЯ – Qual o ponto forte do álbum?
Canisso – Talvez a grande evolução de Digão como vocalista e a boa variedade nos sons. É um disco que não cansa, dá pra deixar tocando e você nem percebe o tempo passar… Espero que todo mundo perceba a grande evolução no som dos Raimundos. A ideia era passar uma parte da energia presente em nosso show pra todas as músicas, como eu já disse, é um retrato atual da banda.
RЯ – O álbum foi concebido por meio de financiamento coletivo e vocês conseguiram levantar R$ 120 mil, o dobro do previsto inicialmente. Como foi isso? E qual será o presente para os fãs?
Canisso – Todas as cópias físicas serão exclusivas dos apoiadores,mas quem quiser adquirir o CD via download pode acessar serviçoes como o iTunes ou o Dezzer. Para lançarmos esse CD, precisávamos fazê-lo da melhor forma que pudéssemos, pra fazer jus à qualidade sempre presente em todos os posteriores. Já havíamos tido uma boa experiência com crowdfundings em alguns shows. Ao nos depararmos com a chance de gravar fora com o Billy, nossos custos subiram muito.
O Marquim (guitarrista) já vinha pesquisando à respeito de crowdfundings e, logo na primeira conversa com o Billy, ele mesmo veio com a mesma ideia. Ficamos até surpresos com a sintonia… Primeiro, estabelecemos uma meta bastante modesta, espartana até, visando bancar apenas a logística e o budget do Billy, estudamos qual a plataforma de arrecadação se adequava melhor às nossas necessidades, prazo, porcentagem, confiabilidade, etc. Depois definimos as contrapartidas proporcionais às contribuições. Já no primeiro dia já batemos o recorde de contribuições do site, o http://www.Catarse.me/raimundos, mostrando que nossa decisão foi mais que acertada, recomendo… Quem tiver curiosidade pode dar uma clicada ae…
RЯ – Em quem vocês se inspiraram para buscar o crowdfunding?
Canisso – Em ninguém em especial, olhamos bastante principalmente os arrecadadores que tiveram maior sucesso, pra tentar aprender algo…
RЯ – Em que situações fez falta não ter do lado de vocês uma gravadora com nome forte no mercado?
Canisso – Com certeza na escalação de atrações de festivais e na mídia paga, mas como nosso show tem mostrado que agrada a galera, viemos reconquistando nosso espaço. Hoje temos nossa própria divulgação, além da melhor de todas elas, que é o boca a boca entre os novos e antigos fãs, renovando e aumentando nosso público…Uma coisa é certa: quem vem aos nossos shows SEMPRE volta, e traz mais alguém, que mostra pra mais alguém…Tem muita banda com gravadora e empresário gastando o dobro sem chegar no mesmo resultado…
RЯ – A presença na rádio está de acordo com o esperado?
Canisso – Muito acima do esperado, principalmente pela grande procura ESPONTÂNEA de várias rádios, que tomaram pra si a “missão” de continuar tocando rock nacional e têm sido nossas parceiras nessa empreitada… Não temos budget pra pagar jabá, então se está tocando é porque o povo está pedindo, nossos humildes agradecimentos aos radialistas que tocam…
RЯ – Você acha que o rock nacional anda meio enfraquecido, com muitas bandas pasteurizadas? Quais bandas nacionais são bons exemplos?
Canisso – Não gosto de comentar sobre outras bandas, cada um sabe aonde quer chegar com seu som, quem se estabeleceu tem meu respeito, viver de rock nesse país é um grande desafio. Das duas uma: ou você toma um Johnny Walker com Activia e toca seu som pra agradar somente seu umbigo, ou você aceita o desafio de equilibrar a dose certa de pauleira sem soar “pasteurizado” nem suavizar muito a proposta…
Pro rock voltar a tocar na rádio ele precisa ter a dose certa de pauleira com uma boa mixagem, sem soar “esporrento”, afinal disputamos a preferência dos ouvintes, fazemos música pros shows, mas precisamos pensar nas rádios também… Quanto ao cenário discordo de você, conheço cenas fervilhantes de novidades, como Goiânia, Curitiba, Salvador, Fortaleza, Cuiabá, Porto Alegre, Floripa.
Caramba, o que mais tem é banda legal, falta espaço, falta o que a MTV representou pra nossa geração nos anos 90,um program livre, de tarde,com banda tocando, sei lá… O momento pede, quem tiver a sacada e lançar um programa do gênero com certeza vai bombar.