Por Marcelo Moreira, do blog Combate Rock

A maior escola de guitarristas, mas também uma das bandas mais subestimadas do rock, The Yardbirds era uma força imensa de qualidade, quase na mesma proporção em que gerava e atraía confusão. Durou pouco e teve um fim melancólico, mas deu origem ao Led Zeppelin. Não é pouca coisa.

Para celebrar os 50 anos de suas primeiras aparições na emissora de rádio inglesa BBC e também a entrada de Jeff Beck, o espólio da banda e a própria emissora estão lançando uma caixa com quatro CDs mostrando em 90 faixas os melhores momentos da banda nos estúdios e também em shows transmitidos pelo rádio.

“The Ultimate Live at the BBC” traz 28 canções inéditas, entre versões diferentes ou simplesmente jam sessions, entre outras raridades, tudo com qualidade de som restaurada e melhorada, totalmente remasterizada.

São três discos com material da época de Jeff Beck na guitarra solo com os Yardbirds, enquanto o quarto disco documenta o período em que Jimmy Page ocupou o cargo de guitarra solo.

Nos últimos 25 anos, houve várias edições de material da banda registrado ou exibido pela BBC, a maioria editado pela pela Repertoire Records, mas 30 das faixas incluídas aqui não foram ouvidas desde a transmissão, e quase todas as outras faixas representam uma grande atualização na qualidade de som.

A curadoria da compilação é de Ashley Wood, que trabalhou como um arqueólogo “escavando” os arquivos da emissora e resgatando preciosidades como versões para “Train Kept a Rollin’, que serviu de base para”Stroll On”, canção que entrou na trilha sonora do filme “Blow Up”, de Michelangelo Antonioni. – com a rara cena que registra Jeff Beck e Jimmy Page tocando juntos.

Wood também recuperou a gênese de materiais que mais tarde estariam shows e discos do Led |Zeppelin, como “White Summer” e “Dazed And Confused”

Uma verdadeira academia

Essencialmente uma banda de blues, os Yardbirds foram formados por garotos que não saíam dos clubes de jazz de Londres e arredores. Keith Relf (vocais), Chris Dreja (guitarra), Paul Samwell-Smith (baixo) e Jim McCarthy (bateria) se conheceram nas apresentações de lendas como Alexis Korner e Cyril Dvies e decidiram provar que tinham estofo para encarar as jams sessions.

Já como Yardbirds, com cerca de 20 anos de idade, chamaram a atenção logo nos primeiros shows em 1962, principalmente pela performance insana de Relf e pelo geniozinho da guitarra solo, um moleque de de 16 anos chamado Anthony “Top” Topham.

No começo de 1963, já rivalizavam com outra band jovem de blues, os Rolling Stones, e perceberam que Topham não aguentaria o tranco da vida artística. Não hesitaram em trocar o adolescente pelo instrumentista mais falado dos clubes, um tal de Eric Clapton, que tinha só 18 anos, mas era um virtuose.

Com o novo guitarrista, a banda substituiu os Stones no Crawdaddy Club como artista resistente e passou a acompanhar bluesmen americanos que iam tocar sem banda no Reino Unido. São famosas as gravações com Sonny Boy Williamson ao vivo, que viriam a compor parte do primeiro LP dos Yardbirds ainda em 1964.

O objetivo, no entanto, era se tornar uma banda pop, o que desagradou Clapton. No começo de 1965, ante de completar dois anos no cargo, o guitarrista solo decidiu sair depois de gravar “For Your Love”, canção pop de Graham Gouldman. Foi um sucesso, mas nem assim Clapton quis ficar. Clapton se dizia um purista do blues e foi tocar com a banda de John Mayall, os Bluesbreakers.

Na emergência, convidaram um amigo para substituir o guitarrista solo. Jimmy Page já era um astro como músico de estúdio aos 21 anos, e ganhava muito bem sem precisar subir no palco. Como também era amigo de Clapton, não quis ferir suscetibilidades: indicou outro amigo, Jeff Beck, da banda Tridents, que tinha 21 anos.

Foi a grande fase da banda, que durou de março de 1965 a novembro de 1966. Com Beck na guitarra solo, os Yardbirds se tornaram uma banda de respeito, ainda que faltasse o sucesso tremendo de Beatles, Rolling Stones e Kinks – e em breve também seriam ultrapassados por The Who.

São desse período clássicos como “Heart Full of Soul”, “Shapes of Things”, “Evil Hearted You”e “Too Much Monkey Business”.

Em meados de 1966, Samwell-Smith briga com todo mundo e decide sair para ser produtor musical. Dessa vez Jimmy Page, farto de ficar enclausurado em estúdio, aceita o convite para ser baixista. Pouco mais de um mês depois, convence Chris Dreja a trocar de instrumento e a banda passa ter dois gênios nas guitarras.

O mundo ideal, no entanto, durou pouco. Beck estava insatisfeito com os rumos da banda e com a concorrência interna com o amigo Page. Já ensaiava uma carreira solo e decidiu abandonar uma turnê americana no fim de 1966 bem no meio. Estava fora,

Aos poucos Jimmy Page foi tomando conta de tudo, ao mesmo tempo em que os outros músicos se desinteressavam por conta da falta de sucesso comercial.

Tocavam muito, principalmente nos Estados Unidos, graças ao novo empresário, o truculento Peter Grant, mas a banda só lançou um álbum no período entre 1966 e 1968, o psicodélico “Little Games”. A decadência chegou forte, mas Page se recusava a enxergar.

No final de fevereiro de 1968, depois de mais uma turnê americana, a banda se desfez quando voltou a Londres. Page e Grant tinham ainda shows a cumprir, mas estavam sem banda. Sem cancelamentos, tudo foi adiado até que novos músicos foram arregimentados.

Mesmo com poucos ensaios, o que veio a ser o New Yardbirds fez 12 shows no segundo semestre de 1968. Livre do passado, Page e Grant rebatizaram a banda como Led Zeppelin relembrando uma frase do baterista Keith Moon (1946-1978), do Who, e iniciaram a conquista do mundo ao lado de Robert Plant (vocais), John Paul Jones (baixo e teclados) e John Bonham (bateria, 1946-1980).

Arquivos da BBC revelam o melhor dos Yardbirds