Arquivo para 4 de abril de 2015

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Manic Street Preachers – O lado subversivo do britpop

Manic Street Preachers - Foto: DivulgaçãoPor Caio de Mello Martins*

Uma das bandas mais hypadas e polêmicas no cenário musical britânico dos Anos 90, aqui no Brasil, os Manic Street Preachers, se muito, encaixam uma ou duas músicas entre os clássicos de Britpop mais celebrados. É comum notar que mesmo fãs mais ardorosos do estilo, que costumam contar a história da própria vida por meio de versos de Oasis, Blur e Pulp, não conhecem a fundo a obra da banda.

Conta bastante para isso o fato de que os Manics (como são apelidados) são a ovelha negra do Britpop. A começar pela origem – a banda nasceu no País de Gales e se infiltrou no circuito londrino e cosmopolita do gênero. E, enquanto os grupos mais conhecidos bebiam do inventário musical inglês acumulado ao longo de 30 anos de tradição, os Manics tinham – ao menos no início – uma sonoridade decididamente americana.

Pode-se dizer que eles percorreram o caminho contrário da linha evolutiva do rock – uma banda punk a princípio, gritando palavras de ordem contra uma engessada parede de quatro acordes e se apresentando com trajes de guerrilha adornados com slogans em stencil, a banda posteriormente firmou suas raízes estéticas no glam rock, um dos pais do punk.

A mudança foi operada no final dos Anos 80, quando seus integrantes piraram o cabeção com “Appettite for Destruction”, do Guns N’ Roses, e outras bandas hair metal mais dadas a escândalos, como o Hanoi Rocks. A partir daí, o compositor principal e guitarra solo James Dean Bradfield se converteu numa máquina incontrolável de riffs de hard rock, temperados com solos memoráveis (daqueles que você canta nota por nota) cheios de licks espertos. Enquanto isso, seus companheiros Richey Edwards (guitarra base), Nicky Wire (baixo) e, em menor medida, Sean Moore (batera) trocaram o look Clash 77’ por batons, delineadores, peles e muito glamour, meu bem.

Riffeira de hard rock e visual andrógino formam uma receita pra lá de manjada desde os Stones, e que produziu uma profusão de bandas-clones na época. James Dean Bradfield podia ser (e é) um ótimo compositor, mas o que diferenciava mesmo o grupo era Richey Edwards, uma das figuras mais enigmáticas do rock.

Debaixo de toda a frivolidade juvenil de seu visual, jazia um devorador de livros calcado na mais niilista, amarga e inquietante filosofia política do pós guerra. Aderindo à estratégia de sabotagem cultural extraída de pensadores situacionistas como Raoul Vaneigem e Guy Debord, Richie sabia que a crítica ao sistema só poderia alcançar as massas se feita dentro da lógica da sociedade do espetáculo.

Sua diversão era montar uma espécie de “oxímoro hard rock”: contrapostas à viril e vibrante sonoridade, estavam imagens de holocausto, bombas atômicas, anorexia, suicídio e outros sintomas de barbárie presentes no inconsciente da frágil civilização ocidental, montada em cima de anos de guerra, violência e exploração de desigualdade social. Os batons e o olhar cheio de fatigue dos seus membros ganhavam contornos subversivos, quando usados para cantar a banalidade cotidiana de uma sociedade que só se realiza por meio do consumo e, estéril do ponto de vista da práxis, depende de figuras públicas fabricadas pelo marketing politico e pela indústria cultural para se ver representada. Sacou?

Claro que nada disso era expressado de modo muito explícito. Como porta voz da banda, Richey gostava de manipular a imprensa musical (que naquela época ainda era “O” grande filtro cultural e comportamental para jovens britânicos) com declarações jocosas e escândalos que geravam polarização do publico — a favor ou contra, o importante era ter exposição. Hoje isso seria impensável, mas em 1991 Richey resolveu mutilar seu braço com um canivete para escrever a frase “4REAL”, em resposta a um crítico da NME que questionou sua sinceridade. Sobre a nostalgia da psicodelia na Inglaterra, revivida graças ao sucesso das bandas Shoegazecomo Verves e Slowdive, Richey declarou que “sempre odiaremos mais o Slowdive que Hitler”. Em típica bravata, a banda anunciou que iria ultrapassar o début dos Guns N’ Roses em vendas e fazer a maior turnê mundial de todos os tempos (uma volta ao mundo sobre palcos apelidada de “from Bangkok to Saigon”) para, “heroicamente”, decretar o fim de sua existência, tão fugaz quanto a vida útil de uma Coca-Cola.

Não foi exatamente o que aconteceu. “Generation Terrorists”, o primeiro álbum da banda lançado pela EMI em 1992, rendeu a banda um disco de ouro na Grã Bretanha e um nada impressionável 17o lugar para o principal single, “Motorcycle Emptyness”. Tampouco foi o canto de cisne da banda, que no ano seguinte já estava lançando a sequência, “Gold Against The Soul”. Não obstante, é um raro caso de vida intelectual ativa no hard rock. As letras de Richey, uma tortura auto-expiativa, revelam sua implacável (e paranóica) compreensão do mundo contemporâneo, apresentando-o como uma pantomima infame que anula qualquer possibilidade de autenticidade e autonomia critica. James, por sua vez, é dono de uma privilegiada musicalidade, capaz de transformar letras intrincadas em grandes melodias pop.

Como guitarrista, sua criatividade em encaixar riffs infalíveis de puro hard rock oitentista fica patente em faixas como “Condemned to Rock ‘n’Roll”, “Slash N’ Burn” e “So Dead”. Apesar de irregular em sua consistência, o álbum impressiona pela ambição artística: citações de Camus, Rimbaud, Nietzsche e George Orwell acompanham as faixas no encarte.

Pensado como um grande “Happening” para chacoalhar a indústria cultural em suas entranhas, Generation Terrorists nao alcançou seu objetivo inicial e, com isso, restou a banda a (cínica) luta para honrar seu contrato com a EMI e manter-se relevante no mercado. Em seu segundo álbum, a banda tentou atualizar seu som com ogroove que assolava as paradas mundiais graças a lançamentos inescapáveis como “Screamadelica” e “Achtung Baby”. Fora a diluição do som, o que estava fazendo a banda ruir eram os terríveis surtos de depressão de seu problemático mentor.

Em suas crises, Richey sofria de anorexia, praticava automutilação e se afundava no alcoolismo. Dúvidas pairam sobre a contribuição musical de Richey para a banda – em mais de uma vez, foi flagrado em shows com sua guitarra desplugada – entretanto seu total estado de embriaguez obrigou a banda a cancelar alguns shows em 1993. Muito embora já tivesse escrito material o bastante para garantir ao menos 80% das letras do próximo álbum, Richey vivia entrando e saindo de clinicas e, afora tenha assinado a concepção artística da futura obra, esteve em grande parte afastado de seu processo criativo.

Nessas reviravoltas que fazem do rock algo tão apaixonante – e reviravoltas não faltam para os Manics – a banda lancou em 1994 o que ficou conhecido como sua obra-prima. “The Holy Bible” possui letras que revelam uma fragilidade tão intima quanto desconcertante, opiniões e imagens tão genuínas quanto abomináveis – e por conta deste fluxo continuo de verdades tão sinceras quanto poéticas, arrebatam o ouvinte por sua humanidade. Sonoricamente, é um animal bem diferente dos Manics ao qual o público inglês havia se familiarizado.

Pode-se considerar “The Holy Bible” o primeiro álbum de Britpop, reconectando-os  ao panteão do rock inglês — um pop desconstruído, é verdade, ainda que James Bradfield não tenha perdido em absoluto sem grande dom por solos melodiosos (antes de dizer que estou babando ovo, ouça “Archives of Pain”). Ecos de Joy Division, Gang of Four, Simple Minds (os primeiros álbuns) e Siouxsie And The Banshees se revelam a cada ritmo fraturado, a cada textura abrasiva, e também na ambiência fantasmagórica criada como contexto para as assombrosas e gráficas confissões de Richey: anorexia, violência institucionalizada e misantropia aparecem sem recalques nem auto-comiseração. Fãs de Nirvana podem notar um macabro paralelo entre “The Holy Bible” e a ultimo gesto criativo de Kurt Cobain, “In Utero”.

A ênfase no macabro explica-se: seria o ultimo álbum antes que Richey desaparecesse sem deixar rastros e antes que o trio se reinventasse como uma instituição do Britpop, ressurgindo com hinos açucarados do estilo que nem de longe lembra o som agressivo e a pose atrevida de outrora.

Richey foi dado como morto pela família em 2008, após treze anos de sumiço. Investigações dão conta que em 1995, quando tinha 27 anos, o artista sacou diariamente 200 libras durante as duas semanas anteriores a seu desaparecimento. Em 1o de fevereiro, mesmo dia em que deveria embarcar com James para a turnê norte-americana, Richey fechou a conta do hotel onde estava em Londres e dirigiu para Cardiff, capital do País de Gales. Há ainda a declaração de um taxista que, uma semana depois, o teria pegado como passageiro em Newport, País de Gales, e o deixado perto da ponte Severn, local nas proximidades da cidade inglesa de Aust e um conhecido ponto de suicidas. Seu carro, encontrado perto da ponte, foi dado como abandonado no dia 14. Fãs alimentam a lenda clamando terem visto Richey em lugares tao dispares quanto Goa e as Ilhas Canarias, mas nenhuma dessas alegações foi confirmada.

Um posfácio apócrifo para essa formação dos Manics, que tanto se arriscou em termos de criatividade e brilhou com talento e coragem. Merece, certamente, a atenção de qualquer pessoa minimamente interessada em entender a passagem dos anos 80 para os 90 e em conhecer os voos roqueiros sobre a metalinguagem da arte.

Para relembrar o Manic Street Preachers, o Roque Reverso descolou vídeos no YouTube. Fique inicialmente com os das músicas “Born To End” e “Archives of Pain”. Para fechar, uma matéria na TV inglesa sobre o desaparecimento de Richey James, onze meses após o fato.

*Caio de Mello Martins é amante do bom e velho rock n’ roll, jornalista e precisa do estilo para manter a sanidade mental



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