Por Marcelo Moreira, do blog Combate Rock

O rótulo de banda engajada é insuficiente para descrever o Black Pantera em 2024. Sua música é mais do que instrumento político de afirmação – tornou-se uma poderosa ferramenta institucional progressista de combate ao preconceito  de difusão de valores antirracistas e de diretos humanos. Não é pouca coisa.

Tudo isso credencia o trio mineiro de heavy metal a postular o lugar mais alto do pódio das bandas mais relevantes de sua geração. Na verdade, é a mais importante, em todos os sentidos.

“Perpétuo”, o álbum recém-lançado pela gravador Deck, é a confirmação da fase esplendorosa que atravessa desde que foi fundada, lá em 2013. Sua mensagem política agressiva e violenta, no sentido de grande impacto sonoro, só encontra paralelo no trabalho dos Ratos de Porão = é cru, direto poderoso e certeiro.

A mistura de thrash metal com hardcore agora ganha novas cores. Elementos de hard rock e groove de vários matizes casam bem com a agressividade das guitarras lancinantes e do baixo preciso e marcante. Em constante evolução, o som do trio invade outras praias e se torna mais instigante.

É impossível não fazer paralelos com Bad Brains e Body Count, bandas pesadas formadas por músicos negros com forte ativismo antirracista e por justiça social.

Tanto do ponto de vista sonoro como do conceito, das ideias por trás das músicas, i trabalho amplia o que o Black Pantera já havia apresentado em “Ascensão”, expandindo o som, agregando mais estilos e instrumentos, mas sem perder a identidade, muito pelo contrário, fortalecendo a essência da banda.

A negritude domina ainda mais os temas, seja na crítica social, seja na valorização da raça e no empoderamento de quem está cansado de apanhar e sofrer, como diz aquela importante canção dos Paralamas do Sucesso.

A mensagem é poderosa e reforça a tendência de marco institucional que a Black Pantera pretende deixar como legado. E os horizontes se expandem cada vez mais.

Uma viagem para o Chile, onde tocaram no Festival Rockdromo, fez com que o trio Chaene da Gama (baixo), Charles da Gama (voz e guitarra) e Rodrigo Pancho (bateria) voltassem os olhos para a música latina e para a percepção deles mesmos como parte pertencente desse grupo.

“Lá em Valparaíso, vendo tantas bandas de países vizinhos terem tanto orgulho e personalidade, passamos a ver o tamanho da importância de entendermos o contexto no qual estamos inseridos. Desde nosso show por lá o termo ‘afrolatino’ não saiu mais da minha cabeça. Falo isso porque a gente sempre olha para outros continentes e não enxerga a arte, a história e a cultura sul-americana. E essa música faz parte do processo de nos entendermos como homens negros que fazem parte da América Latina. E esse é um dos conceitos base desse disco”m comentou Chaene da Gama.

Dá para perceber esses aspectos em canções como “Boom Boom” e “Black Book Club”, com novos elementos que ampliam a sonoridade da banda.A inspiração latino-americana é evidente.

Em “Candeia ” e “Mahoraga”, os rimos latinos ganham a presença de elementos da música brasileira, em uma espécie de ciranda musical que, em vez de causar confusão, entra em perfeita comunhão com o conceito do álbum.

O thrash violento ainda está lá, com “Fudeu” e “A Horda”, mas o som está mais sofisticado, cheio de arranjos que valorizam a diversidade e a versatilidade. E quem diria que a úsica mais legal seria um hard rock quase pop, mas de rara beleza: “Tradução”, uma homenagem à mãe dos irmãos Chaene e Charles.

Há muito mais instrumentos de percussão, o que aproxima o Black Pantera de seus laços ancestrais, dialogando cada vez mais com a estética tribal e acaba entregando em ritmo e poesia um álbum afro-latino, um chamado à união.

Isso é bastante perceptível em faixas como “Provérbios”, na qual cantam o refrão em espanhol. A ancestralidade é o cerne desse disco, que foi gravado em 14 dias no Estúdio Tambor, no Rio de Janeiro.

“A gente vem pensando bastante sobre esse tema, sobre como acabamos sendo eternos através de nosso sangue, nossa luta, nossa ancestralidade. São músicas que refletem isso de maneira incisiva, essa ideia de legado de todos nós. E, se você pensar, daqui 50 anos a banda pode até acabar, mas as músicas vão continuar existindo”, afirma Chaene.

O Black Pantera fala sobre a tentativa de golpe no Brasil em “Sem Anistia”, a mais explícita das explícitas das letras explícitas de “Perpétuo”.

“Fudeu” narra uma abordagem racista da polícia em um surpreendente funk/hardcore; a banda também  aborda a dívida por todos os anos de escravidão em “Promissória”, além de cita trecho do poema “Ainda Assim Eu Me Levanto”, de Maya Angelou, em “Mete Marcha” .

Neste disco, o baixista Chaene está cantando mais, criando um contraste interessante com a voz pesada de Charles. “Eles juntaram um repertório avassalador, com refrões marcantes, trazendo temas fundamentais para os dias de hoje”, aponta o produtor do disco Rafael Ramos.

São 12 faixas com o melhor e mais pulsante rock feito hoje no Brasil. Além da produção de Rafael Ramos, o disco é mixado por Rafael Ramos e Jorge Guerreiro e masterizado por Fabio Roberto (Estúdio Tambor) e Chris Gehringer (Sterling Sound, USA).

Ouça abaixo, na íntegra, o novo disco do Black Pantera, com direito a dois clipes, das músicas “Provérbios” e “Tradução”.

Black Pantera se consolida como a banda mais relevante da atualidade com ‘Perpétuo’